Por Leonardo Neri
No início do século passado, a psicanálise emergiu como um campo de estudo diferenciado que abriu novos horizontes para compreensão da mente humana.
No entanto, a psicanálise surgiu repleta de conceitos médicos, pois muitos de seus pesquisadores, como o fundador Sigmund Freud, tinham formação médica. Foi neste contexto que o psicanalista britânico Wilfred Bion desenvolveu uma teoria inovadora que rompeu com as convenções da medicina tradicional, a qual tratava os sintomas pelo viés de causa-efeito.
Bion trouxe uma nova perspectiva para a psicanálise, enfatizando aspectos emocionais e subjetivos e desvirtuando a necessidade de se atingir um resultado, como destino a ser alcançado no processo de análise, o que se diferenciava com a prática da psicanálise da época.
Nos primeiros anos do desenvolvimento da psicanálise, muitos dos seus principais representantes, como Freud, eram médicos. Isto muitas vezes se reflete nas abordagens clínicas da psicanálise, que se concentravam em trazer significados sobre o funcionamento do aparelho psíquico, visando uma suposta cura do paciente.
O foco estava na análise da histeria, neuroses, psicoses e perversões, bem como na compreensão de seus sintomas causados pelos conflitos intrapsíquicos do indivíduo, muitas vezes associados a traumas sexuais e/ou infantis.
Por outro lado, Bion apresentou uma nova perspectiva fundamental para a psicanálise moderna. Essa abordagem é menos embasada nos conceitos médicos e mais vinculados aos aspectos psicológico e emocional. Bion desafiou a visão predominante da mente como uma entidade puramente cognitiva, ressaltando a importância dos processos emocionais e inconscientes.
Bion sugere que a mente humana lida com pensamentos primitivos chamados “pensamentos beta”, que podem ser a causa de tristeza, sintomas e problemas psicológicos.
A contribuição mais importante de Bion foi sua teoria da mudança emocional. Ele acreditava que as pessoas têm a capacidade de transformar o pensamento beta em pensamento alfa consciente e significativo. Este processo de mudança emocional está no cerne da psicanálise Bioniana.
Bion entendia que ao processar pensamentos puros e transformá-los em pensamentos conscientes, as pessoas poderiam transformar suas emoções de uma forma mais saudável e aliviar a dor emocional e psíquica.
A teoria de Bion teve grande influência na interface entre a medicina e a psicanálise atual.
Ele desafiou a visão puramente ontológica da psicanálise, concentrada na necessidade de atrelar os sintomas dos pacientes em diagnósticos pré-moldados, conforme teorias de transferências ou das posições, citando as bases de estudo de Freud e Klein, respectivamente.
As mudanças para uma epistemologia não convencional destacadas por Bion, demonstram a importância de explorar os aspectos emocionais e psicológicos dos pacientes, inclusive daqueles com doenças crônicas ou psicoses.
Bion desempenhou um papel importante na mudança da psicanálise, afastando-a fundamentalmente de seu viés médico e destacando a evolução emocional do paciente, para compreensão da mente humana. A contribuição de Bion é um exemplo notável de como a psicanálise evoluiu para abraçar uma visão mais abrangente e holística da existência humana.
No início da psicanálise, Freud concentrou seus estudos com base na premissa de que os anseios e aflições humanos estão intimamente relacionados a experiências distantes que merecem uma investigação aprofundada.
Freud concluiu que os sintomas constituem reflexos de emoções e vivências que foram reprimidas, ocultas nas profundezas do inconsciente.
Assim, formulou teorias acerca das fases do desenvolvimento sexual humano, destaca a importância do Complexo de Édipo e desmembra o aparelho psíquico em Id, Ego e Superego.
A exploração teórica de Freud estabeleceu os fundamentos da psicanálise, e sua abordagem clínica segue uma lógica semelhante à da medicina, onde se procura a raiz de um sintoma, realizando uma investigação que, quando esclarecida, contribui para a cura do “problema”.
O analista empreende a busca por respostas, sabendo exatamente o que está procurando - emoções reprimidas - e onde deve direcionar sua pesquisa, ou seja, aplicar a experiência subjetiva humana à “fórmula” do Complexo de Édipo, para se descobrir as causas.
Outra personalidade crucial no desenvolvimento da psicanálise foi Melanie Klein, que avançou com os conceitos de Freud, sobretudo a partir da análise de crianças, adiantando o Complexo de Édipo para as fases mais precoces do desenvolvimento humano.
Klein também introduziu as lógicas das posições persecutória e depressiva e trouxe à tona o conceito de identificação projetiva, dentre outros.
A sua abordagem clínica também estava focada na busca de respostas no inconsciente, revisitando o período infantil e os estágios iniciais do desenvolvimento psíquico e as relações com objetos, tudo isso com o objetivo de atenuar sintomas e promover a cura.
Bion inova ao propor uma abordagem psicanalítica que, em resumo, não visa a diagnósticos ou esclarecimentos do passado. Em vez disso, amplia perspectivas e sugere diferentes maneiras de interpretar eventos psíquicos, conscientes ou inconscientes, promovendo uma exploração que capacita o paciente a descobrir novos conhecimentos sobre si mesmo, infinitamente.
A abordagem psicanalítica de Bion não se concentra em conceitos pré-determinados, como o Complexo de Édipo ou a Castração, mas sim em um processo de descoberta e transformação, questionamento e expansão do conhecimento. Não há busca por algo específico no inconsciente; em vez disso, tudo o que se apresenta é explorado em busca de entendimento.