Por Débora W. Matzenbacher
Ao longo de sua vida, Bion desenvolveu seus estudos e trabalhos usando as teorias psicanalíticas já propostas, como modelos, principalmente as de Freud e Klein, deixando cada vez mais de lado, com o avançar do tempo os excessos dessas teses e pressuposições que eram aplicados no trabalho clínico da psicanálise.
A obra Bioniana apresenta um nova visão da psicanálise, mais espontânea e fluida, se concentrando não em teorias, mas sim nas ferramentas que o analista tem a sua disposição, e que podem ser usadas das mais diversas formas e maneiras. Ademais, a valorização do vínculo entre analista e analisando, que até então não tinha o devido reconhecimento e relevância, passou a ter um papel fundamental na clínica, ou seja, uma psicanálise vincular onde o foco do trabalho é o conhecimento, que vai encaminhando analista e analisando, juntos, em direção ao modo como esse último se relaciona com as suas próprias verdades. Esse vínculo é uma relação que pode ser entre duas pessoas, mas também entre partes dessas personalidades, sendo ainda um dos fatores que conduzem ao processo do conhecer e que vai tornar o trabalho analítico tão rico.
Bion tinha o entendimento que em uma análise o relevante não são somente as experiências emocionais que ali são experienciadas, mas também os infinitos vínculos que de alguma forma fazem a ligação entre analista e analisando, o vínculo direto. Chamava atenção também para os chamados vínculos indiretos, que são aqueles vínculos externos do paciente e que podem contribuir quando aparecem em algo que é sentido na sessão. Portanto, a ideia do vínculo é que através dele se consiga dar novos significados àquilo que se apresenta na sessão, isto é, transformar algo em capacidade para pensar.
Para tanto, Bion reconhecia três importantes vínculos que são trabalhados juntos, à saber: do Amor (A), do Ódio (O) e do conhecimento (K), favorecendo e privilegiando esse último, o vínculo do conhecimento, que como já acima citado, ele chamava de vínculo K. É através dele (K) que o aprender com as experiências vai se produzir e evoluir, deixando assim, o paciente habilitado e capacitado para vivenciar o processo do conhecer. Bion definia K como algo que está se realizando, se tornando, um processo e não um conteúdo, o que remete a algo dinâmico e vivo em toda nova sessão e que implica numa relação de crescimento mútuo e em alguma coisa ganhar um novo significado, mesmo que a turbulência emocional esteja presente, pois em K essa turbulência é tolerada. Portanto, para Bion conhecer é aumentar e expandir as possibilidades e capacidades para pensar.
Quando se está num lugar de observação do paciente, tudo aquilo que se intui e que se capta, seja pela palavra, atitudes, gestos e reações, e que Bion chamava de experiência emocional, está conectado e relacionado ao vínculo do conhecimento que está se revelando no momento da sessão, justamente quando a dupla está em frente ao desconhecido. Dessa forma, conforme o analista alcança e compreende uma parte dessa experiência emocional, uma parte desse desconhecido do paciente, o Ò, acontece uma transformação para K, e em ato subsequente, se dessa transformação, o que o analista comunica para o analisando na sessão, surgir um novo significado para esse paciente, acontece uma transformação no sentido inverso, de K para Ò, e assim, ambos estão caminhando juntos. No vínculo K o analisando tem um sentimento de reconhecimento, ele volta a conhecer aquilo que já existe dentro dele, mesmo que muitas vezes esse processo seja doloroso, mas ele tolera a frustração sentida. Por isso que se diz que o vínculo K está ligado as experiências emocionais, porque ele está sempre ganhando e perdendo significado, sempre se transformando.
Quando o analisando não consegue suportar e tolerar o desconhecido que se apresenta, quando ele não tem capacidade de abstração e portanto não consegue gerar e ganhar novos significados, não aprende da experiência, ele está em –K. O é o não entender, o não conhecer. É quando o analisando não tem tolerância ao desconhecido e uma gigantesca turbulência emocional se apresenta entre as partes, uma vez que o que ele está vivenciando é uma fantasia.
Importante frisar, que nesse contínuo processo do conhecer, Bion não trabalhava a mente humana separando consciente e inconsciente, como Freud por exemplo o fazia. Para Bion a psicanálise não se restringia ao inconsciente, mas também ao consciente, tanto do analisando quanto do analista. A ideia era de que a barreira entre um e outro, ou seja, consciente e inconsciente, fosse bem mais permeável do que até então se imaginava, e que a comunicação entre ambos aconteça o tempo todo e ao mesmo tempo. Pensando assim, Bion nominava “visão binocular” esse modo de ver e sentir o indivíduo como um todo, quer dizer, consciente e inconsciente trabalhando e operando juntos o tempo todo. A partir daí novos vértices de compreensão e sentido vão se abrindo no momento em que, tanto analista como analisando, consigam observar um mesmo “fato psíquico” sob outras perspectivas e entendimentos que vai ter como consequência um desenvolvimento e um crescimento mental do paciente. Para tanto, a comunicação do analista ao analisando, ou seja, aquilo que ele interpreta e posteriormente devolve numa fala, precisa estar em consonância com o momento do pensamento do paciente, quer dizer, o analista sentir se esse pensamento está num momento mais rústico, em que o paciente não tem capacidade para “receber” a sua interpretação/fala, ou num momento mais elaborado, em que o pensamento do paciente esteja “apto” para tal comunicação.
A proposta é que a mente do analista opere sempre em Ò, em “estado de fé”, isto é, que ele evite o uso das percepções de caráter sensoriais, bem como trabalhe com seu estado de mente livre de desejo, memória e pretensão de compreensão justamente para que não se fique com os pensamentos saturados de inclinações e expectativas que possam vir a atrapalhar sua condição de trabalho e capacidade de intuição daquilo que está acontecendo no momento em que a sessão está acontecendo.
E assim, Bion dando novos rumos para a psicanálise, entendia que, enquanto o par, analista e analisando, estiverem reunidos sempre haverá algo possível de ser observado e explorado, uma vez que, a “psicanálise proporciona capacidade de desenvolver um aparelho para pensar”.