Por Alexandre Renaut
A comunicação preliminar (1893) é um texto que apresenta o método utilizado por Freud e Breuer para tratar pacientes vítimas de fenômenos histéricos. Sua tese central consiste em apontar o trauma como origem da histeria: o elemento traumático (por exemplo, uma representação insuportável para o doente), juntamente com seu afeto, são lançados para fora da consciência, num lugar chamado de “segunda consciência” – mais tarde apelidada de “inconsciente”.
Neste processo de dissociação, aquela representação insuportável se “descola” do afeto – e o trauma, supostamente “adormecido” no paciente (num estado anormal denominado hipnoide), acaba reemergindo sob as mais variadas formas e sintomas (qualificados de “histéricos”).
O tratamento preconizado era a hipnose com o intuito de acessar a lembrança armazenada na segunda consciência do doente. Através desta manobra terapêutica, o paciente poderia então se recordar do “trauma adormecido” original e dar vazão ao afeto através de um processo de “ab-reação” que eliminaria definitivamente o sintoma. Os autores afirmam então que o sintoma teria ocorrido porque no momento do trauma, a vítima não soube (ou não pôde) oferecer uma reação adequada e seu afeto não foi descarregado (liberado por ações ou pela fala). Em outras palavras, a tese central é que a reação reprimida ao trauma (e o afeto ligado à lembrança desse trauma) ocasionam e alimentam os sintomas histéricos: neste sentido, “o sintoma é uma lembrança do trauma”.
Naquela época, Freud já começava a se distanciar de Breuer e de Charcot, abandonando progressivamente seus métodos terapêuticos, a catarse e a hipnose, para se dedicar unicamente à “livre associação de ideias” da psicanálise. Além disso, ao contrário de Charcot, que defendia o caráter hereditário e físico da histeria, Freud busca provar suas teorias ao afirmar que a sexualidade é a causa única dos sintomas histéricos – nasce então a teoria da sedução. Em artigos redigidos em 1894 e 1896, Freud relata que a causa do sintoma tem origem num atentado sexual produzido na infância (antes dos 7, 8 anos de idade), onde o “futuro doente” é “seduzido” e experimenta um encontro prematuro com sua sexualidade. O trauma, no entanto, só aconteceria anos depois, na adolescência, quando o indivíduo adquire maturidade sexual.
De acordo com esta teoria, o autor do atentado é um adulto ou uma criança mais velha do círculo social da vítima. A histeria seria provocada por uma experiência sexual passiva acarretando profundo desprazer na criança – majoritariamente meninas. A obsessão, por outro lado, seria consequência de um incidente sexual vivido de forma ativa pela criança – que inclusive sentiria prazer, gerando um sentimento de culpa mais tarde – neste caso, os meninos seriam mais numerosos.
Anos depois, numa nota de rodapé acrescentada nesses artigos, Freud vai reconhecer que sua teoria da sedução estava equivocada com as seguintes palavras: “naquela época, eu ainda não sabia distinguir entre as fantasias de meus pacientes sobre sua infância e suas recordações reais (...) atribuí ao fator etiológico da sedução uma importância e universalidade que ele não possui”. De certa forma, Freud vai admitir que ele não conseguia diferenciar a ficção da realidade no inconsciente e no discurso de seus pacientes. É surpreendente, inclusive, o contraste entre esta “admissão de erro” e o tom confiante da narrativa de Freud nos seus artigos de 1893, 1894 e 1896 – onde somos conduzidos por um discurso linear, causal, quase matemático para nos convencer da validade de suas teorias. De fato, Freud parecia mais preocupado em provar que estava certo do que em testar experimentalmente e cientificamente a validade de suas hipóteses.
A história da histeria está permeada de equívocos semelhantes ao que Freud cometeu. Durante séculos, diferentes abordagens procuraram explicar as causas da histeria, passando por explicações mais históricas ou ideológicas até chegar em investigações mais científicas no decorrer do século 19. Charcot, por exemplo, perdeu praticamente todo o seu trabalho por ter misturado os histéricos e epilépticos no mesmo ambiente, que ficou contaminado (fenômeno da clonagem). Portanto, é fundamental que um rígido protocolo científico seja respeitado para testar e validar as hipóteses do pesquisador.
Por fim, a retratação de Freud em relação à teoria da sedução não significou que todas as suas ideias foram abandonadas. Pelo contrário, na mesma nota de rodapé (datada de 1924) acrescentada em seu artigo “Observações adicionais sobre as neuropsicoses de defesa” (1896), ele afirma que “depois que esse erro foi superado, tornou-se possível alcançar um discernimento das manifestações espontâneas da sexualidade das crianças que descrevi em meus Três Ensaios sobre a Teoria da Sexualidade”. De fato, o abuso sexual seria uma ficção, uma fantasia organizada na realidade psíquica durante a infância da criança – e que tem sua importância na psicanálise (estudaremos as teorias da sedução em breve).