Por Fernanda Borges Hisaba
Neurologista de formação, durante os anos de 1880, Freud inicia sua prática de hipnotismo; tendo conhecido e acompanhado os trabalhos de Charcot em Salpetriére, começa a tratar pacientes com diagnóstico de histeria, utilizando o método de sugestão sob hipnose.
Porém, logo se angustia com os parcos resultados obtidos com essa prática, as frequentes recidivas dos sintomas histéricos, e a impossibilidade de estabelecer um vínculo causal satisfatório que pudesse saciar seu espírito investigativo e alcançar o sucesso terapêutico almejado. Já com ideias mais próximas à Psicologia, suspeitando de um fator causal relacionado a possíveis traumas emocionais, começa então a inquirir seus pacientes a respeito do motivo de sua dor.
Juntamente com Breuer, discutindo os casos clínicos atendidos por ambos, escreve e publica, em 1893, o artigo “Comunicação Preliminar”, que fará parte do livro Estudos sobre Histeria (1895), tido por muitos como a obra que inaugura a Psicanálise.
Neste artigo, os autores observam, inicialmente, que não é possível chegar ao fato determinante do sintoma através da simples e direita inquirição do paciente, pois este, habitualmente, não tem conhecimento de tal acontecimento em sua vida consciente. Através da hipnose, nota-se uma “ampliação” dessa consciência, de tal forma que o doente passa a ter um mais livre acesso aos acontecimentos de seu passado, a seus processos mnêmicos. A conclusão a que chegavam, invariavelmente, era que o surgimento do sintoma remontava a algum trauma real oculto no passado do paciente. A este trauma, na ocasião de sua ocorrência, o paciente não teria podido, por um ou por outro motivo, reagir de forma adequada. Então, a energia que acompanha o trauma que não pôde ser ab-reagido, era deslocada para uma segunda “consciência” (reprimida), e reaparecia, posteriormente, na forma de um sintoma histérico. Nesse sentido, o sintoma seria uma “lembrança” do trauma, o que leva os autores a dizer que “o histérico sofre de reminiscências”. A essa “segunda consciência”, na realidade não consciente, não pertencente ao tempo presente, os autores (notadamente Breuer), denominam estado hipnoide, que pode ser disposicional ou adquirido em função de um trauma.
Denotando uma ingenuidade crédula na capacidade de acessar a memória através da hipnose (e, posteriormente, da livre associação de ideias), ignorando possíveis fatores de confusão, como a representação de traumas imaginados, fantasias, e ainda, a necessidade do paciente de agradar ao médico e a característica capacidade de “clonar” sintomas de que a histeria se constitui, Freud comete seu primeiro equívoco: ele aceita como verdade incontestável (embora impossível de ser comprovada) a narrativa do paciente (ideia já aventada por Mesmer no século XVIII). Sob esta égide, ele irá construir a Teoria da Sedução.
Freud sempre suspeitou do componente sexual como fator etiológico no desenvolvimento das neuroses. E esta não é, em absoluto, uma novidade. Os primeiros estudos sobre a histeria remontam à Antiguidade, e Hipócrates, em sua “sufocação da Matriz”, já trazia a ideia de um útero não alimentado migrando pelo corpo, atingindo os pulmões e sufocando a paciente, motivo pelo qual a patologia seria mais frequente em mulheres solteiras e viúvas, e uma das terapias mais populares, o casamento. Analisando suas pacientes, Freud acaba por concluir que a única etiologia da histeria seria de cunho sexual.
“A terminologia “trauma”, em medicina, admite vários significados, todos eles ligados a acontecimentos não previstos e indesejáveis que, de forma mais ou menos violenta, atingem indivíduos neles envolvidos, produzindo-lhes alguma forma de lesão ou dano”.
Logo, a etiologia da histeria, para Freud, seria um trauma sexual e causado por outrem, real e pertencente ao passado, ocorrido antes da maturidade sexual. Está elaborada a Teoria da Sedução.
A apresentação desta teoria para o público médico da época foi um fracasso. Freud foi desacreditado e chocou a todos com a ideia de que todos os doentes sofrendo de histeria teriam sofrido um abuso sexual na infância, praticado por alguém mais velho e próximo a eles, pai, irmãos mais velhos, primos, babás.
Uma das mais contundentes críticas que Freud recebeu por seu trabalho dizia respeito à generalização do fato, que presumia uma espécie de “epidemia” de crimes sexuais, à qual, alguns anos depois, Freud justifica: “as histéricas me enganaram”. Percebe que seria possível que a recordação das pacientes, o recalcado, se referisse a uma fantasia de um abuso sexual que na realidade não ocorrera, mas cuja ideia seria igualmente intolerável. E como escapar à essa manipulação? Como comprovar em consultório as narrativas enganosas de suas clientes? A solução estava diante de seus olhos, e foi ouvindo Breuer que, a princípio, ele a percebeu. A transferência.
Durante o relato de Breuer a Freud sobre o tratamento de Bertha Pappenheim (Anna O., o primeiro dos casos clínicos descritos em Estudos sobre Histeria), Freud observa a relação de afeto que se forma entre Breuer e sua paciente. A profunda dedicação do médico, sua disponibilidade diária para escutá-la, e o claro envolvimento amoroso da parte de Anna O., que solicitava com frequência seu médico e se queixava de seus atrasos; a crise histérica descrita por Breuer, na qual Anna se contorcia em dores abdominais e dizia que o “filho do Dr. B.” estava a caminho... Não havia como comprovar a veracidade da narrativa dos pacientes, sob hipnose ou através da livre associação de ideias, considerando que o suposto fato se encontrava no passado e teria ocorrido fora ambiente terapêutico. Porém, o sofrimento psíquico e o afeto deslocado do passado para o presente e projetado na figura do psicanalista, observado durante a sessão, era facilmente comprovado. Este sim,
inconteste, vivido pelo par terapêutico, real e palpável.
Desta forma, cai por terra a teoria do trauma sexual real que, salvo exceções, se constituía em uma fantasia do próprio paciente formada durante seu desenvolvimento sexual, e que posteriormente reemergia na consciência do mesmo como sintoma histérico. O reconhecimento deste equívoco permite a Freud reformular, em 1906, suas teorias a respeito do papel da sexualidade na etiologia das neuroses.